sábado, 27 de dezembro de 2008

Um Gato e uma Andorinha - um amor impossível?

Os pais de Sinhá iam ralhando com ela. Mas estavam tão comovidos com o próprio heroísmo – tiveram coragem de afrontar o Gato Malhado para salvar a filha – que não ralharam demasiado. (…)
E se olhavam, admirando-se mutuamente. Proibiram terminantemente a Andorinha de novamente aproximar-se do inimigo feroz. Se os juramentos da Andorinha jovem não têm nenhum valor, bruscas proibições só fazem aguçar-lhe o interesse e a curiosidade. Não que Sinhá fosse uma dessas andorinhas às quais basta que se diga “não faça isso” para que imediatamente o façam. Ao contrário, terna e obediente, amava os pais. Era bem comportada, amável e bondosa. Mas gostava que a convencessem das coisas com boas e justas razões, e ainda ninguém lhe havia provado ser um pecado ou um crime manter relações cordiais com o Gato Malhado. Assim, quando deitou a gentil cabecinha sobre a pétala de rosa que lhe servia de travesseiro, havia decidido continuar a conversa no outro dia:
- Ele é feio mas é simpático … – murmurou ao adormecer.
Quanto ao Gato Malhado, também ele pensou na arisca Andorinha Sinhá, naquela primeira noite da Primavera, ao repousar a cabeça no travesseiro. Aliás, eis uma coisa que ele não possuía: travesseiro. Além de mau e feio, o Gato Malhado era um pobre de Job; repousava a cabeça em cima dos braços. Sendo de pouco luxo, não reclamava. Falta sentia de outras coisas: de afeição, de carinho e de salsichas vienenses. (…)
Devo concluir que o Gato Malhado, de feios olhos pardos, de escura fama de maldade, havia se apaixonado? (…)
No dia seguinte, ao acordar e lavar a cara, pensou na Andorinha recordando o sonho a acompanhá-lo pela noite: ele e Sinhá discutindo de boniteza e feiura. Riu-se: “ “ontem eu estava doente” e resolveu não pensar mais na Andorinha. Dirigiu-se ao seu canto predileto para calentar sol sobre o velho trapo de veludo. A vida se desenvolvia pelo parque. (…)
Os pais de Sinhá haviam saído em busca de alimento. A Andorinha tinha visto o Gato vir vindo e o esperava sorridente. Gato Malhado pára embaixo da árvore, espia, descobre a Andorinha. Foi então que percebeu onde havia chegado, sem se dar conta. Dana-se. Que faço eu aqui? Resolve voltar rapidamente (diabo! Seus pés, de tão pesados, pareciam ter chumbo grudado), mas a Andorinha falou com sua doce voz:
- Não me diz bom dia, seu mal-educado? (…)
Não vou mais reproduzir os diálogos. E como tal resolução porque eram todos um pouco parecidos e somente aos poucos, com o correr do tempo, se fizeram dignos de uma história de amor. (…)
- Conta-me o teu sonho. Eu não te conto o meu porque sonhei com uma pessoa muito feia: sonhei contigo…
Riam os dois, ele o seu riso cavo de gato mau, ela seu argentino riso de andorinha adolescente. Assim aconteceu na Primavera.

Jorge Amado, O Gato Malhado e a Andorinha Sinhá

Saga, in Histórias da Terra e do Mar - Sophia de Mello Breyner

Numa ilha no mar do Norte, de nome Vig, vivia Hans, um jovem com catorze anos, que não temia as tempestades e que adorava ver o mar, a sua grande paixão. Hans vivia com a sua família: a sua irmã Cristina, o seu pai Soren e a sua mãe Maria, no interior da ilha. Hans já tivera dois irmãos mais novos, Gustav e Niels, que morreram num naufrágio de um veleiro que pertencia ao pai. Hans queria ser um homem do mar e viajar por outras terras no seu próprio barco. O pai queria que ele fosse estudar, tudo menos a ver com o mar porque já tinha perdido dois filhos, mas Hans adorava o mar.
Um dia, fugiu de Vig num cargueiro, chegando depois a uma cidade que Hans adorou. Quando o barco ia partir, alguns dias depois de chegar, o capitão chicoteou Hans e este abandonou o navio. O rapaz ficou como vagabundo naquela cidade.
Hoyle, um homem de negócios, levou-o consigo para sua casa, onde ficou a viver como “ filho adoptivo”. Aí aprendeu tudo e em sonhos preparava-se para regressar a Vig. Escreveu para casa, de onde veio a resposta da mãe a dizer que o pai nunca o receberia em Vig.
Os anos passaram e com vinte e um anos anos, Hans era capitão de um navio e com ele muitas viagens fazia. E sonhava com o que levaria para Vig. Mandava cartas enquanto estava fora, mas quando regressava a resposta era sempre a mesma.
Algum tempo depois Hoyle, velho e cego, pediu a Hans que lhe tomasse conta dos seus negócios e ele ficou. Então, disse para casa que já não era homem do mar, mas a mãe respondeu-lhe o mesmo.
Hans casou com Ana e pouco tempo depois Hoyle acabara por morrer. Teve o seu primeiro filho a quem deu o nome de Soren que acabou por morrer ainda recém-nascido. Construiu a sua riqueza, era agora um homem de negócios e com fortuna. Maria, mãe de Hans morreu e ele escreveu ao pai, que nunca lhe respondeu. Percebeu que jamais voltaria a Vig. Hans foi construindo a sua casa e mandou fazer grandes obras. Já tinha filhos e netos, havia grandes jantares em família.
O tempo passava e as memórias de Vig surgiam. Hans ficara agora velho, acabando por adoecer. Pouco depois morreu … A sua sepultura tinha um navio em cima, pedido de Hans à família antes de falecer. Segundo ele, era um navio naufragado. Esse era o navio que nas noites de temporal ia para norte, ia para Vig…
8ºE

domingo, 14 de setembro de 2008

A feira das palavras

As palavras são as portas e as janelas do pensamento...