Os pais de Sinhá iam ralhando com ela. Mas estavam tão comovidos com o próprio heroísmo – tiveram coragem de afrontar o Gato Malhado para salvar a filha – que não ralharam demasiado. (…)
E se olhavam, admirando-se mutuamente. Proibiram terminantemente a Andorinha de novamente aproximar-se do inimigo feroz. Se os juramentos da Andorinha jovem não têm nenhum valor, bruscas proibições só fazem aguçar-lhe o interesse e a curiosidade. Não que Sinhá fosse uma dessas andorinhas às quais basta que se diga “não faça isso” para que imediatamente o façam. Ao contrário, terna e obediente, amava os pais. Era bem comportada, amável e bondosa. Mas gostava que a convencessem das coisas com boas e justas razões, e ainda ninguém lhe havia provado ser um pecado ou um crime manter relações cordiais com o Gato Malhado. Assim, quando deitou a gentil cabecinha sobre a pétala de rosa que lhe servia de travesseiro, havia decidido continuar a conversa no outro dia:
- Ele é feio mas é simpático … – murmurou ao adormecer.
Quanto ao Gato Malhado, também ele pensou na arisca Andorinha Sinhá, naquela primeira noite da Primavera, ao repousar a cabeça no travesseiro. Aliás, eis uma coisa que ele não possuía: travesseiro. Além de mau e feio, o Gato Malhado era um pobre de Job; repousava a cabeça em cima dos braços. Sendo de pouco luxo, não reclamava. Falta sentia de outras coisas: de afeição, de carinho e de salsichas vienenses. (…)
Devo concluir que o Gato Malhado, de feios olhos pardos, de escura fama de maldade, havia se apaixonado? (…)
No dia seguinte, ao acordar e lavar a cara, pensou na Andorinha recordando o sonho a acompanhá-lo pela noite: ele e Sinhá discutindo de boniteza e feiura. Riu-se: “ “ontem eu estava doente” e resolveu não pensar mais na Andorinha. Dirigiu-se ao seu canto predileto para calentar sol sobre o velho trapo de veludo. A vida se desenvolvia pelo parque. (…)
Os pais de Sinhá haviam saído em busca de alimento. A Andorinha tinha visto o Gato vir vindo e o esperava sorridente. Gato Malhado pára embaixo da árvore, espia, descobre a Andorinha. Foi então que percebeu onde havia chegado, sem se dar conta. Dana-se. Que faço eu aqui? Resolve voltar rapidamente (diabo! Seus pés, de tão pesados, pareciam ter chumbo grudado), mas a Andorinha falou com sua doce voz:
- Não me diz bom dia, seu mal-educado? (…)
Não vou mais reproduzir os diálogos. E como tal resolução porque eram todos um pouco parecidos e somente aos poucos, com o correr do tempo, se fizeram dignos de uma história de amor. (…)
- Conta-me o teu sonho. Eu não te conto o meu porque sonhei com uma pessoa muito feia: sonhei contigo…
Riam os dois, ele o seu riso cavo de gato mau, ela seu argentino riso de andorinha adolescente. Assim aconteceu na Primavera.
E se olhavam, admirando-se mutuamente. Proibiram terminantemente a Andorinha de novamente aproximar-se do inimigo feroz. Se os juramentos da Andorinha jovem não têm nenhum valor, bruscas proibições só fazem aguçar-lhe o interesse e a curiosidade. Não que Sinhá fosse uma dessas andorinhas às quais basta que se diga “não faça isso” para que imediatamente o façam. Ao contrário, terna e obediente, amava os pais. Era bem comportada, amável e bondosa. Mas gostava que a convencessem das coisas com boas e justas razões, e ainda ninguém lhe havia provado ser um pecado ou um crime manter relações cordiais com o Gato Malhado. Assim, quando deitou a gentil cabecinha sobre a pétala de rosa que lhe servia de travesseiro, havia decidido continuar a conversa no outro dia:
- Ele é feio mas é simpático … – murmurou ao adormecer.
Quanto ao Gato Malhado, também ele pensou na arisca Andorinha Sinhá, naquela primeira noite da Primavera, ao repousar a cabeça no travesseiro. Aliás, eis uma coisa que ele não possuía: travesseiro. Além de mau e feio, o Gato Malhado era um pobre de Job; repousava a cabeça em cima dos braços. Sendo de pouco luxo, não reclamava. Falta sentia de outras coisas: de afeição, de carinho e de salsichas vienenses. (…)
Devo concluir que o Gato Malhado, de feios olhos pardos, de escura fama de maldade, havia se apaixonado? (…)
No dia seguinte, ao acordar e lavar a cara, pensou na Andorinha recordando o sonho a acompanhá-lo pela noite: ele e Sinhá discutindo de boniteza e feiura. Riu-se: “ “ontem eu estava doente” e resolveu não pensar mais na Andorinha. Dirigiu-se ao seu canto predileto para calentar sol sobre o velho trapo de veludo. A vida se desenvolvia pelo parque. (…)
Os pais de Sinhá haviam saído em busca de alimento. A Andorinha tinha visto o Gato vir vindo e o esperava sorridente. Gato Malhado pára embaixo da árvore, espia, descobre a Andorinha. Foi então que percebeu onde havia chegado, sem se dar conta. Dana-se. Que faço eu aqui? Resolve voltar rapidamente (diabo! Seus pés, de tão pesados, pareciam ter chumbo grudado), mas a Andorinha falou com sua doce voz:
- Não me diz bom dia, seu mal-educado? (…)
Não vou mais reproduzir os diálogos. E como tal resolução porque eram todos um pouco parecidos e somente aos poucos, com o correr do tempo, se fizeram dignos de uma história de amor. (…)
- Conta-me o teu sonho. Eu não te conto o meu porque sonhei com uma pessoa muito feia: sonhei contigo…
Riam os dois, ele o seu riso cavo de gato mau, ela seu argentino riso de andorinha adolescente. Assim aconteceu na Primavera.
Jorge Amado, O Gato Malhado e a Andorinha Sinhá